quarta-feira

THE BEACH BOYS: UMA HISTÓRIA DE SUCESSO

THE BEACH BOYS: UMA HISTÓRIA DE SUCESSO (Love & Mercy, 2014, River Road Entertainment, 121min) Direção: Bill Pohlad. Roteiro: Oren Moverman, Michael Alan Lerner. Fotografia: Robert Yeoman. Montagem: Dino Jonsater. Música: Atticus Ross. Figurino: Danny Glicker. Direção de arte/cenários: Keith Cunningham/Maggie Martin. Produção executiva: Jim Lefkowitz, Oren Moverman, Ann Ruark. Produção: Bill Pohlad, Claire Rudnick Polstein, John Wells. Elenco: Paul Dano, John Cusack, Paul Giamatti, Elizabeth Banks, Jake Abel, Kenny Wormald, Brett Davern. Estreia: 07/9/14 (Festival de Toronto)

Quando foi atender aquele homem excêntrico e gentil que procurava um carro novo naquele dia de 1986, a jovem Melinda Leadbetter jamais imaginaria que sua vida seria profundamente alterada: aquele homem era Brian Wilson, ex-integrante de um dos grupos musicais de maior sucesso dos anos 60, e sua relação com ele revelaria não apenas uma mente brilhante e à frente de seu tempo, mas também perturbada e controlada por um médico inescrupuloso que o impedia de levar uma vida normal. A relação entre Melinda e Brian - e o retrato do começo do desequilíbrio mental do artista - são o tema de "The Beach Boys: uma história de sucesso", uma cinebiografia quase convencional mas, acima de tudo, fiel aos fatos e dotada de uma alma que a torna irresistível aos fãs do grupo, que tem a oportunidade de conhecer um lado pouco glamouroso de um ídolo que substituiu os palcos e a fama por clínicas e paranoia. Com um roteiro inteligente que intercala fases distintas da vida de Wilson com (bons) atores se dividindo no papel, o filme de Bill Pohlad não deixa de ser um sopro de criatividade dentro de seu subgênero, optando por um foco narrativo específico ao invés de debruçar-se sobre uma vida inteira - o que fatalmente acabaria  na superficialidade.

Uma história repleta de acontecimentos dramáticos irresistíveis ao cinema, a trajetória de Brian Wilson através de seus problemas psicológicos já tinha flertado com as telas em duas ocasiões: na década de 80, com William Hurt na pele do músico e Richard Dreyfuss como seu médico particular, Eugene Landy, e nos anos 90, com Jeff Bridges no papel central. Nenhuma das duas tentativas conseguiu ultrapassar os limites das possibilidades - o que não deixa de ser um alívio, em especial se for considerado que o filme com Hurt e Dreyfuss teria o dedo do próprio Landy na produção, o que fatalmente alteraria profundamente a veracidade dos fatos narrados. Landy, afinal de contas, pode facilmente ser considerado o vilão da história: mantendo Wilson sob seu rígido comando, ele se aproveitava da fragilidade do paciente para manipulá-lo e afastá-lo de quem quer que pudesse realmente ajudar em sua recuperação. Foi assim, por exemplo, com a própria Melinda, que se viu no meio do fogo cruzado entre os dois assim que entrou na vida de Brian: fascinado por ela, o autor de algumas das canções mais amadas da história da música americana comprou uma briga com seu psicólogo para agarrar-se a uma espécie de último fiapo de esperança de manter-se são. Esse confronto entre Melinda e Landy se alterna, no roteiro escrito por Oren Moverman (indicado ao Oscar por "O mensageiro", de 2009) e Michael Alan Lerner, com a criação do mais radical álbum dos Beach Boys, o mal-compreendido "Pet Sounds" - surgido em meio aos demônios pessoais de seu compositor.


Na juventude - e em fase de total ebulição criativa - Brian Wilson é interpretado por Paul Dano, vencedor do prêmio de melhor ator pelos críticos de Nova York e indicado ao Golden Globe por seu desempenho hipnótico. Totalmente imerso no personagem, Dano entrega a melhor atuação de sua carreira, mesclando momentos de bravata com outros de puro desespero e angústia - fustigados por seu pai, um homem mais afeito ao lucro do que à arte e incapaz de uma palavra de afeto. Torturado por pensamentos aflitivos, o rapaz vai contra o óbvio e se afasta dos palcos para conceber um disco revolucionário em música e conceito - algo que nem todo mundo se esforçava para compreender em sua importância cultural. Vinte anos mais tarde, Wilson ganha a forma de John Cusack e, maltratado pelo tempo e por uma vida de excessos e remédios fortíssimos, é quase incapaz de dar um passo sem consultar seu médico/guru/guarda-costas Eugene Landy (interpretado com gosto por um excelente Paul Giamatti). Uma sombra do que poderia ter sido, Wilson vê em Melinda uma luz no fim do túnel, e mesmo com a saúde mental debilitada, se envolve em uma história de amor improvável e que pode lhe salvar a vida. Cusack está bem no papel, mas é quase eclipsado por Giamatti - que rouba todas as cenas em que aparece, como um parasita detestável e ameaçador (sua interpretação é tão admirável que o próprio Brian Wilson ficou pouco à vontade ao vê-lo em cena). No meio de tantos talentos, Elizabeth Banks surpreende em um papel sério e discreto - um porto seguro dentre tantas tormentas.

Pontuado por uma sutil trilha sonora de Atticus Ross - colaborador habitual de David Fincher - e editado de forma a manter o espectador interessado no desenrolar dos acontecimentos, "The Beach Boys: uma história de sucesso" é um conjunto de acertos. A direção de Bill Pohlad não tenta chamar mais a atenção do que a história ou os personagens, servindo como um fio condutor eficiente mas nunca maior do que a trama. Bem-sucedido produtor - de filmes oscarizados, como "O segredo de Brokeback Mountain" (2005) e "12 anos de escravidão" (2014) - e estreante como cineasta, Pohlad faz um primeiro trabalho primoroso em sua sutileza e delicadeza em tratar de assuntos desagradáveis sem afastar o público. Oferecendo uma cinebiografia que foge das narrativas convencionais, ele entrega um filme que consegue agradar aos fãs da banda e apresentá-la (ou ao menos introduzir sua música) a neófitos e/ou admiradores ocasionais. Um belo drama musical, embalado por canções das mais agradáveis já gravadas e com um elenco em dias inspirados. O que mais se pode esperar?

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