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O COLECIONADOR

O COLECIONADOR (The collector, 1965, Columbia Pictures Corporation, 119min) Direção: William Wyler. Roteiro: John Kohn, Stanley Mann, Terry Southern, romance de John Fowles. Fotografia: Robert Krasker, Robert Surtees. Montagem: David Hawkins, Robert Swink. Música: Maurice Jarre. Direção de arte/cenários: John Stoll/Frank Tuttle. Produção: Jud Kinberg, John Kohn. Elenco: Terence Stamp, Samantha Eggar, Mona Washbourne, Maurice Dallimore. Estreia: 05/65 (Festival de Cannes)

3 indicações ao Oscar: Diretor (William Wyler), Atriz (Samantha Eggar), Roteiro Adaptado
Vencedor do Golden Globe: Melhor Atriz/Drama (Samantha Eggar)
Vencedor de 2 Palmas de Ouro/Festival de Cannes: Ator (Terence Stamp), Atriz (Samantha Eggar) 

 Quem conheceu o ator inglês Terence Stamp apenas em 1994, com a deliciosa comédia australiana "Priscilla, a rainha do deserto" pode demorar a acreditar, mas aquele senhor vestido de mulher e interpretando com propriedade um transexual de meia-idade amargo e mau-humorado já foi considerado um dos homens mais bonitos do mundo. Quem duvida pode confirmar o fato em "O colecionador", um dos filmes de suspense mais elogiados da década de 60, que lhe rendeu a Palma de Ouro de Melhor Ator no Festival de Cannes de 1965: sim, além de símbolo sexual, Stamp também já demonstrava desde então seu talento dramático, em um filme que, apesar de pertencer a um gênero considerado "menor" pela crítica e pela indústria, tornou-se um clássico absoluto e referência para várias gerações de cineastas. Baseado em um romance de John Fowles, "O colecionador" é um claustrofóbico e tenso exercício narrativo, comandado pelo veterano William Wyler - oscarizado por "Ben-hur" (59) - com uma sutileza quase inacreditável. Sem violência gratuita (exceto, lógico, pelo crime que é o centro da trama), é também uma prova de que um bom diretor consegue sair-se bem em qualquer gênero - e até romper uma certa aura de preconceito em relação a alguns deles. Além do prêmio de melhor ator para Terence Stamp, os jurados do Festival de Cannes também acharam justo dar a Palma de melhor atriz à sua parceira de cena, Samantha Eggar, que além disso foi aclamada com um Golden Globe e uma indicação ao Oscar. Nada mal para um tipo de filme normalmente relegado a segundo plano nas cerimônias de premiação.

Referência direta de obras como "Misery", de Stephen King - que foi adaptado para o cinema como "Louca obsessão" e deu uma merecidíssima estatueta dourada para Kathy Bates em 1991 - e aplaudido pelo cineasta espanhol Pedro Almodóvar como um filme "perfeito sob o ponto de vista de direção", "O colecionador" resiste ao tempo mesmo diante de um visual tipicamente sessentista, enfatizado pela fotografia de cores discretas e pelo ritmo que evita a pressa e conquista o público de forma gradual e envolvente. Centrado basicamente na relação entre seus dois protagonistas, o roteiro praticamente inexiste fora das quatro paredes que os cercam, e essa claustrofobia se torna um dos maiores trunfos de Wyler, que arranca de seus atores atuações inesquecíveis e complexas - mérito também da inteligência em optar por um caminho de suspense psicológico em detrimento de sustos ou violência explícita. Quem espera de "O colecionador" mais um exemplar de suspense fácil e barato certamente irá se desapontar. No entanto, quem busca um estudo mais sério sobre as nuances de uma obsessão não terá do que reclamar.

Freddie Clegg (Terence Stamp) é um colecionador obsessivo de borboletas que tem a vida mudada quando ganha um prêmio da loteria. Abandonando seu prêmio como bancário, ele compra uma propriedade isolada do centro de Londres e resolve por em prática um plano ousado: sequestrar a bela estudante de Artes Plásticas Miranda Grey (Samantha Eggar), por quem ele nutre uma paixão silenciosa e antiga. Sem intenções de abusar sexualmente dela ou ao menos pedir dinheiro em troca de sua liberdade, Clegg surpreende sua refém com um comportamento quase gentil, e garante que seu cativeiro tem um prazo limite. Assim que percebe que seu raptor não segue o padrão comum, Miranda inicia com ele um jogo de poder, tentando estabelecer uma dinâmica que os faça conviver pacificamente. O que ela não nota é que sua presença no casarão é apenas uma experiência: Clegg quer ter sobre ela o mesmo controle que tem sobre suas borboletas, e dificilmente se deixará enganar pelas jogadas maquiavélicas da jovem, que se utiliza da beleza e da sedução como armas de convencimento.


Planejado para ser realizado em preto-e-branco (o que certamente aumentaria a sensação de desconforto da protagonista), "O colecionador" chegou às telas com algumas diferenças essenciais em relação ao que William Wyler desejava. A escolha de Samantha Eggar, por exemplo, apesar de providencial e unanimemente aplaudida pela crítica, só foi possível depois que Natalie Wood, Julie
Christie e Sarah Miles recusaram o papel - e Eggar não pode dizer que teve um período muito agradável durante as filmagens, já que era tratada com extrema frieza por seu colega de cena. Stamp, seguindo recomendações do diretor, mal dirigia a palavra à atriz, não interagia com ela fora das filmagens e a tratava sem muitas gentilezas. A tática, apesar de um tanto cruel, funcionou: existe uma tensão palpável entre os dois personagens principais, sempre no tênue limite entre o medo e a fascinação. A sutil trilha sonora é do aclamado Maurice Jarre, que substituiu a escolha inicial (Bernard Herrmann) porque Wyler não queria que o músico, colaborador habitual de Alfred Hitchcock, trouxesse influências do cineasta inglês ao projeto. E o próprio Wyler não ficou nem um pouco feliz com a ideia de diminuir as três horas de duração da metragem inicial para 119 minutos - um corte que arrancou do filme uma trama paralela inteira que envolveria um namorado de Miranda, interpretado por Kenneth More.

O fato de que "O colecionador" tornou-se um ícone do suspense com o passar das décadas é uma prova da capacidade de Wyler em contar sua história de forma envolvente e atemporal. Porém, como nem tudo são flores e o cinema é constantemente acusado de incentivar a violência, um serial killer norte-americano chamado Bob Berdella, que matou pelo menos seis jovens no período de 1984-1987, depois de estuprá-los e torturá-los, assumiu que uma de suas inspirações foi a história de Freddie Clegg. Mesmo com as grandes diferenças entre a obra de ficção e a realidade - sendo a realidade muito mais cruel e chocante - não deixa de ser, a seu modo um tanto torto, uma prova a mais da perenidade do filme. Um clássico ainda muito interessante e perturbador (em especial por seu desfecho inesperado), "O colecionador" permanece como um dos grandes filmes de William Wyler - e um dos exemplares mais coesos de um gênero pouco afeito à posteridade.

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