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A TRAVESSIA

A TRAVESSIA (The walk, 2015, Sony Pictures Entertainment/TriStar Productions, 123min) Direção: Robert Zemeckis. Roteiro: Robert Zemeckis, Christopher Brown, livro de Philippe Petit. Fotografia: Darius Wolszki. Montagem: Jeremiah O'Driscoll. Música: Alan Silvestri. Figurino: Suttirat Anne Larlab. Direção de arte/cenários: Naomi Shohan/Geoffroy Gosselin, Ann Smart. Produção executiva: Jacqueline Levine, Cherylanne Martin, Ben Waisbren. Produção: Jack Rapke, Steve Starskey, Robert Zemeckis. Elenco: Joseph Gordon-Levitt, Ben Kingsley, Charlotte Le Bon, James Badge Dale, Ben Schwartz. Estreia: 26/9/15 (New York Film Festival)

O vencedor do Oscar de melhor documentário de 2008, "O equilibrista", dirigido por James Marsh, contava a inacreditável história de Philippe Petit, um francês que conseguiu, em 1974, quando as Torres Gêmeas ainda nem estavam totalmente prontas, atravessar a distância entre elas equilibrado no fio que utilizava em suas apresentações artísticas em Paris. Como documentários não são exatamente gêneros populares - com raras exceções - o cineasta Robert Zemeckis achou que a trajetória de Petit em sua tentativa de atingir seu objetivo poderia render um belo e emocionante filme, capaz de atrair as mesmas multidões que lotaram os cinemas para assistir a alguns de seus maiores sucessos de bilheteria, como a trilogia "De volta para o futuro", o divertidíssimo "Uma cilada para Roger Rabbit" (88) e o multi-oscarizado "Forrest Gump: o contador de histórias" (94). Enganou-se. Com uma renda de pouco mais de 10 milhões de dólares arrecadados no mercado doméstico, "A travessia" foi uma grande decepção comercial, e nem mesmo sua renda internacional conseguiu apagar o gostinho amargo do fracasso, mal ultrapassando os 50 milhões e nem sequer dobrando seu custo (relativamente baixo) de 35 milhões de dólares. Nem mesmo a Academia de Hollywood, tão generosa com Zemeckis em outras ocasiões, pareceu impressionar-se com seu novo filme, lhe ignorando até mesmo nas categorias técnicas. Uma tremenda injustiça! Mesmo longe de ser o melhor trabalho do diretor, "A travessia" é entretenimento honesto, tecnicamente irrepreensível e com um clímax poderoso o bastante para prender o espectador na poltrona até os minutos finais.

Construindo sua narrativa em um estilo que lembra os famosos "filmes de golpe", o roteiro, baseado em livro do próprio Petit, acompanha o protagonista desde seus primeiros passos como equilibrista - sob os cuidados do experiente e ranzinza Papa Rudy (Ben Kingsley) - até seu mais famoso e arriscado espetáculo, um acontecimento ao mesmo tempo poético e assustador, belo e transgressor. Na pele de um Joseph Gordon-Levitt com sotaque francês e lentes de contato azuis, o personagem central apresenta todas as características típicas de um protagonista arrojado: é intransigente, quase arrogante, obsessivo e dotado de uma visão artística muito superior à sua percepção do perigo. Zemeckis não tenta forçar a simpatia do público com seu herói, deixando a missão com o seu ator principal - que mais uma vez demonstra um carisma acima de qualquer dúvida, mesmo tendo em mãos um personagem cuja fixação chega, em determinados momentos, a por em risco inclusive aqueles que aceitam colaborar com ela. Ao equilibrar (sem trocadilhos) o tom cômico com um ritmo de filmes de aventura da velha Hollywood e efeitos visuais espetaculares, "A travessia" é um programa completo, capaz de agradar a todos os tipos de público, mas que infelizmente não conseguiu a atenção que merecia.


Milimetricamente construído como um programa para seduzir qualquer espectador, "A travessia" é um produto raro dentro da indústria hollywoodiana. Não apela para nenhum tipo de violência, não é inspirado em nenhuma história em quadrinhos, não é sequência de um sucesso ou tampouco tem como ator principal um nome de forte apelo popular, capaz de levar o público às salas de exibição somente por sua presença. Nem mesmo o nome de Robert Zemeckis foi o bastante para convencer a audiência, no entanto. De volta ao formato tradicional de contar histórias no cinema desde "O voo" - que concorreu aos Oscar de ator (Denzel Washington) e roteiro original - o cineasta que há anos dedicava-se a experimentações, como "O Expresso Polar" (2004) comprova que não perdeu a habilidade em mergulhar em tramas centradas mais em personagens do que em desafios técnicos. Ainda que "A travessia" tenha como maior atrativo o envolvente clímax que coloca Philippe Petit a centenas de metros do chão, é sua jornada para atingir seu objetivo que determina o ritmo do filme, ditado pela edição ágil (mas nunca histérica) e sublinhado pela trilha sonora discreta de Alan Silvestri. É assim que Petit vai explicando sua ideia fixa à plateia, enquanto vai recrutando colaboradores, entre elas a namorada Annie (Charlotte Le Bon) e seu fotógrafo oficial, Jean-Louis (Clement Sibony), que chegam à Nova York convencidos a participar de um evento sem igual - e ilegal.

É quando o grupo de Petit chega à Nova York - depois de mais de uma hora de filme - que "A travessia" parece finalmente começar, e talvez essa demora em engrenar seja seu maior problema. Quando finalmente é hora do clímax - poderoso, engraçado, tenso e emocionante - é possível que boa parte da plateia já tenha se incomodado com os dois terços iniciais, interessantes mas sem maiores atrativos exceto a produção impecável e o carisma de Gordon-Levitt. Àqueles que tem paciência, porém, Zemeckis entrega um belo presente em seus trinta minutos finais: a sequência em que finalmente Petit faz sua travessia entre as torres do World Trade Center não apenas é um feito técnico impressionante (em especial em uma sessão 3D) como também é uma linda homenagem à cidade e aos edifícios, que surgem como personagens indispensáveis à história. Essa etapa final do filme - cuidadosamente filmada, editada e sonorizada - apaga todo e qualquer deslize anterior, mostrando porque o diretor é um dos mais conceituados e bem-sucedidos de Hollywod apesar de alguns fracassos no caminho. Os efeitos visuais deslumbrantes (injustamente esquecidos pelo Oscar) podem ser o que fica na memória do espectador, mas o carinho de Petit e do cineasta por Nova York também ficam evidentes no tom melancólico de seus últimos minutos. "A travessia" pode não ser um dos melhores filmes de Zemeckis, mas não faz feio em uma carreira vitoriosa e principalmente repleta de respeito a seu público.

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