quinta-feira

VAMPIROS DO DESERTO


VAMPIROS DO DESERTO (The forsaken, 2001, Screen Gems/Sandstorm Films, 90min) Direção e roteiro: J. S. Cardone. Fotografia: Steven Bernstein. Montagem: Norman Buckley. Música: Tim Jones, Johnny Lee Schell. Figurino: Ernesto Martinez. Direção de arte/cenários: Martina Buckley/Trevor Murray. Produção: Scott Einbinder, Carol Kottenbrook. Elenco: Kerr Smith, Brendan Fehr, Izabella Misko, Johnathon Schaech, Carrie Snodgress. Estreia: 27/4/2001

Típico produto da geração MTV, com cortes ágeis, visual modernoso e atores fotogênicos, "Vampiros do deserto" chegou às telas com um público-alvo definido. Pode não ter feito um sucesso estrondoso de bilheteria, mas é inegável que, em comparação com uma gama de produções do gênero que abarrotavam as salas de cinema no começo dos anos 2000, tem muito mais a dizer. Mergulhando no universo do vampirismo sem medo de criar uma nova mitologia e apostando na sensualidade e na violência - ainda que moderada pela edição -, o filme de J. S. Cardone (cineasta sem maior expressão e nenhum grande filme no currículo) acerta em se levar a sério mas peca justamente no calcanhar de Aquiles da maioria dos exemplares de terror de sua época: o roteiro superficial, que não permite uma conexão maior entre os personagens e o espectador.

O protagonista do filme é Sean (Kerr Smith), um jovem que trabalha como editor de trailers de cinema enquanto não realiza o sonho de tornar-se diretor. Contratado para dirigir uma Mercedes até a Flórida e entregá-la sem um arranhão à proprietária, ele aproveita a situação para juntar dinheiro para comparecer ao casamento da irmã. No caminho, as coisas não saem exatamente como o previsto e ele se vê quase obrigado a dar carona ao misterioso Nick (Brendan Fehr), que se oferece para pagar a gasolina da viagem. Durante uma parada para comer, a dupla de novos amigos encontra Megan (Izabella Miko), uma garota em nítido sofrimento físico que os aproxima de uma realidade assustadora, revelada por Nick: a presença maligna de um grupo de vampiros, liderados por Kit (Jonathon Schaech) e cuja origem remete às cruzadas religiosas. Há algum tempo na caça de Kit, o corajoso Nick conta com a ajuda de Sean para exterminá-lo e salvar a vida tanto de Megan quanto do próprio motorista - em vias de transformar-se também em morto-vivo.

 

A escolha de Kerr Smith para o papel central de "Vampiros do deserto" tem certa razão de ser: sucesso na série juvenil "Dawson's Creek" - que também revelou Katie Holmes e Michelle Williams -, Smith também fez parte do elenco do bem-sucedido "Premonição" (2000) e parecia uma aposta certeira junto ao público-alvo, com sua imagem de galã e moço de família. Seu colega de elenco, Jonathon Schaech, já tinha um currículo maior, dividindo a carreira entre produções comerciais - como "Colcha de retalhos" (1995) e "The Wonders: o sonho não acabou" (1996) - e incursões ao cinema independente - "Geração maldita" (1995), normalmente enfatizando uma persona sexy e marginal. O encontro dos dois opostos - com o simpático Brendan Fehr no meio de campo - é uma das camadas mais interessantes do filme de Cardone, que foi apontado, anos depois de seu lançamento, como um conto de descoberta da sexualidade homoerotica entre os dois protagonistas. Tal ideia soa um tanto deslocada diante da trama, que não encontra espaço para qualquer romance exceto a atração de Sean por Megan - algo pouco desenvolvido em um roteiro que se concentra em sangue (muito), ação (razoável) e a tentativa de criar um histórico cultural aos sanguessugas. Cardone se sai relativamente bem ao disfarçar um orçamento modesto (cerca de 15 milhões de dólares) com soluções criativas e uma direção que enfatiza os pontos positivos do roteiro.

Sim, o roteiro escrito pelo próprio diretor tem seus méritos. Por mais que falhe em não aprofundar seus personagens centrais e até mesmo sua relação, Cardone oferece ao espectador sequências bastante interessantes, em que explora a sede de sangue das plateias mais jovens da forma mais elegante possível. Mesmo não sendo uma produção inesquecível ou capaz de revitalizar os filmes do gênero, "Vampiros do deserto" não decepciona a quem procura um passatempo digno e que, por incrível que pareça, diverte sua plateia. Não chega a ser um "Garotos perdidos" - que marcou uma geração inteira desde seu lançamento, em 1987 - mas tampouco desrespeita os cânones clássicos, ainda que modernizados e pasteurizados para uma juventude acostumada a banhos de sangue.

quarta-feira

DA MAGIA À SEDUÇÃO


DA MAGIA À SEDUÇÃO (Practical magic, 1998, Warner Bros, 104min) Direção: Griffin Dunne. Roteiro: Robin Swicord, Akiva Goldsman, Adam Brooks, romance de Alice Hoffman. Fotografia: Andrew Dunn. Montagem: Elizabeth Kling. Música: Alan Silvestri. Figurino: Judianna Makovksy. Direção de arte/cenários: Robin Standefer/Claire Jenora Bowin. Produção executiva: Bruce Berman. Produção: Denise Di Novi. Elenco: Sandra Bullock, Nicole Kidman, Aidan Quinn, Dianne Wiest, Stockard Channing, Goran Visnjic, Marc Feuerstein, Evan Rachel Wood, Margo Martindale, Chloe Webb. Estreia: 16/10/98

Quando "Da magia à sedução" chegou aos cinemas, Nicole Kidman ainda não era a estrela que viria a se tornar depois do sucesso de "Moulin Rouge: o amor em vermelho" e "Os outros" - ambos lançados em 2001 - nem tampouco tinha o prestígio que o Oscar por "As horas" (2002) lhe traria. Em outubro de 1998, data da estreia, a maior estrela do projeto era Sandra Bullock, em franca ascensão desde que chamou a atenção do público pela primeira vez, em "Velocidade máxima" (1994). A união das duas atrizes, porém, ao contrário do que se poderia esperar, decepcionou. Com menos de 50 milhões de dólares arrecadados nas bilheterias mundiais, o filme dirigido pelo também ator Griffin Dunne - e baseado em um best-seller de Alice Hoffman - ficou em um estranho meio-termo entre uma comédia romântica com tons sobrenaturais e um suspense fantástico com elementos típicos das histórias de amor que enchem os olhos dos fãs do gênero. Escorado no carisma de suas estrelas e com o apoio luxuoso de um elenco coadjuvante impecável, "Da magia à sedução" funciona como um passatempo acima da média - mas inegavelmente sofre com sua atmosfera um tanto indecisa.

De acordo com um dos roteiristas, o premiado Akiva Goldsman - Oscar por "Uma mente brilhante" (2001) - a primeira versão do filme privilegiava o lado mais sombrio da história criada por Hoffman e publicada em 1995. O marketing promovido pela Warner, porém, conduziu a produção a um resultado mais leve, de olho em um público mais amplo. Sendo assim, a saga de duas jovens irmãs lidando com seus dons de feitiçaria encontrou, no filme de Dunne, um viés mais lúdico e menos mórbido. Se por um lado é um acerto, ao explorar o talento cômico de suas atrizes, também deixa no ar a sensação de um resultado final híbrido, que não atinge todo o seu potencial dramático. Tal problema de foco respingou inclusive na trilha sonora original de Michael Nyman, que foi substituída, depois de exibições-teste, por uma música considerada menos "europeia e intrusiva", composta por Alan Silvestri. Com intenções mais comerciais, a versão que finalmente chegou às telas acabou por decepcionar o estúdio - mas tornou-se cult com o passar do tempo, principalmente devido à presença de Kidman e Bullock.

 

As duas atrizes vivem, respectivamente, Gillian e Sally Owens, irmãs que, órfãs, vivem desde a infância em uma pequena ilha na costa de Massachussets, criadas por suas tias, Frances (Stockard Channing) e Jet (Dianne Wiest). Descendentes de uma longa linhagem de bruxas, elas sabem que são amaldiçoadas para o amor e se ressentem de terem passado a vida toda sofrendo o preconceito dos outros moradores locais. Chegando à idade adulta, porém, sua união é posta à prova pelas radicais diferenças entre suas personalidades. Enquanto Sally - introvertida e romântica - desafia sua sina e vive um casamento feliz e realizado com Michael (Mark Feuerstein), Gillian - rebelde e sensual - foge da cidade com o objetivo de viver a vida longe dos olhos maldosos dos conterrâneos. A maldição que as une, no entanto, parece mais forte do que qualquer coisa: Sally fica viúva depois de um trágico acidente, e Gillian se envolve em um relacionamento tóxico e violento com o perigoso Jimmy Angelow (Goran Visjnic) - uma relação cujos desdobramentos trágicos a obriga a retornar ao lar e apresenta as duas irmãs o detetive de polícia Gary Hallet (Aidan Quinn). Sua reunião abala a tranquilidade da pequena cidade - mas pode, paradoxalmente, ajudá-las a superar o preconceito que cerca sua família e suas origens.

O que pode ser dito a respeito de "Da magia à sedução" é que, apesar dos problemas, o produto final é um delicioso programa para os menos exigentes. No auge da beleza, Nicole Kidman rouba a cena como a tresloucada e irresponsável Gillian - um contraponto aos dramas de Sally, interpretada por uma Sandra Bullock competente mas repetindo os trejeitos que fizeram dela uma grande estrela. Stockard Channing e Dianne Wiest brilham a cada aparição e a direção de Griffin Dunne faz o possível para extrair o melhor de um roteiro cuja mudança de tom no terço final prejudica mais do que ajuda. Para os fãs de suas atrizes centrais é imperdível - mas fica no ar a sensação de que poderia ter sido melhor, mais memorável ou até mesmo mais corajoso.

terça-feira

FANTASMAS DO PASSADO

 


FANTASMAS DO PASSADO (Ghosts of Mississippi, 1996, Columbia Pictures, 130min) Direção: Rob Reiner. Roteiro: Lewis Colick. Fotografia: John Seale. Montagem: Robert Leighton. Música: Marc Shaiman. Figurino: Gloria Gresham. Direção de arte/cenários: Lilly Kilvert/Karen A. O'Hara. Produção executiva: Charles Newirth, Jeffrey Stott. Produção: Nicholas Paleogolos, Rob Reiner, Andrew Schneiman, Frederick Zollo. Elenco: Alec Baldwin, Whoopi Goldberg, James Woods, Craig T. Nelson, Virginia Madsen, Diane Ladd, Susanna Thompson, William H. Macy, Jerry Levine, Terry O'Quinn, James Pickens Jr., Lucas Black, Jerry Hardin. Estreia: 20/12/96

2 indicações ao Oscar: Ator Coadjuvante (James Woods), Maquiagem

Quando "Fantasmas do passado" chegou aos cinemas, em dezembro de 1996, fazia apenas dois anos e meio que sua história havia tido seu desfecho. O  terceiro julgamento de Byron de la Beckwith pelo assassinato do líder negro Medgar Evers em 1963 - depois de dois outros anulados por uma série de circunstâncias que beneficiavam o réu  - tornou-se assunto dominante em Jackson, Mississippi no começo de 1994 e sua versão cinematográfica aproveitou-se da energia de revolta local para tentar transmitir ao espectador toda a força dos acontecimentos que foram um marco na luta pelos direitos civis na sociedade norte-americana. Não conseguiu completamente. A bilheteria pouco expressiva e a receptividade morna da crítica acabaram por relegar o filme a uma espécie de limbo na carreira do diretor Rob Reiner, apenas um meio-termo entre o sucesso de "Conta comigo" (1986), "Harry & Sally: feitos um para o outro" (1989), "Louca obsessão" (1990) e "Questão de honra" (1992) e o fracasso comercial de "O anjo da guarda" (1994) e "Alex & Emma: escrevendo sua história" (2003).  Mesmo assim, chamou a atenção o suficiente para render a James Woods uma indicação ao Oscar de ator coadjuvante - a segunda de sua carreira.

Woods - na pele do venal Byron de la Beckwith - é o destaque absoluto do filme de Reiner. Mesmo com poucos minutos em cena, seu desempenho consegue eclipsar tanto a potente atuação de Whoopi Goldberg (tentando dar consistência às falas clichês de sua personagem) quanto o esforço de Alec Baldwin, ainda não exatamente reconhecido como o ator de respeito que se tornaria com o passar dos anos. Fugindo da tentação de fazer de Beckwith um vilão humanizado (basta ver entrevistas reais para perceber que isso é impossível), o veterano ator dá o seu melhor para transmitir, em cada aparição, todo o ódio e o desprezo que move o movimento supremacista do sul dos EUA - e do resto do mundo. Sempre que surge na tela, seu olhar maligno e sua expressão de desprezo pela justiça tornam impossível ignorar seu minucioso trabalho - algo que nem mesmo a maquiagem exagerada (inexplicavelmente indicada ao Oscar) consegue atrapalhar. Lamentável que o roteiro não lhe dê mais espaço e se concentre naquele que talvez seja o grande problema do filme: a figura do criticado white savior - termo que caracteriza, normalmente de forma pejorativa, uma pessoa branca que se torna o herói em uma luta racial. Ok, o advogado que levou Beckwith aos tribunais em 1994,Bobby DeLaughter, é branco. Mas fica, mesmo assim, a sensação de um foco inadequado a uma trama tão nitidamente específica.


 

Apesar de dar a Whoopi Goldberg o importante e crucial papel de Myrlie Evers, a viúva do ativista pelos direitos civis Medgar Evers (vivido no filme por James Pickens Jr., de "Grey's Anatomy"), o roteiro de "Fantasmas do passado" se concentra basicamente em Bobby DeLaughter, promotor do Mississipi que entra, quase por acaso, no caso do terceiro julgamento de um racista radical acusado pelo assassinato. Casado, pai de dois filhos e parte de uma família tradicional e respeitada, Bobby se deixa convencer pela persuasiva Myrlie de que trinta anos já é tempo suficiente para tentar novamente a condenação do homem que matou seu marido. Para conquistar sua confiança, o promotor põe em risco seu casamento, sua carreira e até mesmo sua vida. Sem o apoio daqueles que o rodeiam - todos profundamente enraizados nos preconceitos sulistas - e questionado até mesmo por Myrlie, ele descobre, no processo rumo ao tribunal, que condenar um homem tão abertamente preconceituoso e intolerante não é tarefa fácil, especialmente em seu contexto geográfico e social.

Assumindo um papel que foi cogitado para ser de Tom Cruise ou de Tom Hanks - ambos com potencial comercial bem maior -, Alec Baldwin sofre com a direção quase mecânica de Rob Reiner e com o roteiro esquemático e quase frio. Ao tentar evitar o sentimentalismo inerente à história, Reiner nega à plateia o tom emocional que poderia fazer de seu filme uma produção marcante e relevante. Lançado no mesmo ano do sucesso "Tempo de matar" e do fiasco "O segredo" - ambos com temática semelhante, ainda que relatos de ficção baseados em livros de John Grisham -, "Fantasmas do passado" passou praticamente em branco nos cinemas e dificilmente é lembrado mesmo nas filmografias de seus atores principais. Não deixa de ser uma injustiça: mesmo longe de ser um dos melhores filmes do diretor ou até mesmo sobre o tema, é um entretenimento decente - ainda que seu foco seja um tanto problemático.

segunda-feira

BARRY LYNDON


BARRY LYNDON (Barry Lyndon, 1975, Warner Bros,
185min) Direção: Stanley Kubrick. Roteiro: Stanley Kubrick, romance de William Makepeace Thackeray. Fotografia: John Alcott. Montagem: Tony Lawson. Música: Leonard Rosenman. Figurino: Milena Canonero. Direção de arte/cenários: Ken Adam/Roy Walker. Produção executiva: Jan Harlan. Produção: Stanley Kubrick. Elenco: Ryan O'Neal, Marisa Berenson, Patrick Magee, Gay Hamilton, Frank Middlemass, Leonard Rossiter. Estreia: 11/12/75 (Londres)

7 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Stanley Kubrick), Roteiro Adaptado, Fotografia, Trilha Sonora, Figurino, Direção de Arte/Cenários

Vencedor de 4 Oscar: Fotografia, Trilha Sonora, Figurino, Direção de Arte/Cenários

Conhecido por sua obsessão em termos profissionais, Stanley Kubrick dedicou boa parte de sua vida a pesquisar sobre Napoleão Bonaparte, a quem escolheu como tema de um seus filmes. Depois de ler alegadamente uma centena de livros sobre o líder francês e ter explorado o assunto por todos os ângulos, porém, viu seu projeto ser cancelado pela Warner Bros por problemas de orçamento - o que mostrou-se premonitório, haja visto o fracasso de "Waterloo" (1970), produzido por Dino de Laurentiis. Partiu, então, para a produção do controverso "Laranja mecânica" (1971) - que lhe rendeu uma indicação ao Oscar de melhor diretor - mas jamais abandonou a ideia de dirigir uma história passada no século XVIII e utilizar-se de todo o resultado de seus estudos. Foi então que mirou na obra do escritor William Makepeace Thackeray - mais precisamente em "Feira das vaidades", publicado em 1848. Com o tempo, ciente de que a vasta trama do livro não caberia em apenas três horas de duração, mudou novamente de alvo, mas ainda dentro do universo do autor, nascido na Índia em 1811. Surgia assim "Barry Lyndon", mais um de seus clássicos - e certamente a mais sofisticada de suas produções, premiada com 4 Oscar e celebrada pela crítica como uma obra-prima inquestionável.

Filmado na Inglaterra por longos nove meses - o que empurrou sua estreia para dezembro de 1975, quase dois anos e meio depois do começo da produção -, "Barry Lyndon" custou aos cofres da Warner aproximadamente 11 milhões de dólares, mas não foi um sucesso de bilheteria, para decepção do estúdio e do próprio diretor, que viu-se obrigado pela consciência a fazer de "O iluminado" - um projeto bem mais comercial - seu filme seguinte. Nem a exigência dos engravatados - de escalar um ator popular para o papel central, como forma de garantir seu sucesso financeiro - mostrou-se certeira. O apuro visual, o capricho na direção de atores e o roteiro (irônico e inteligente) não foram suficientes para conquistar a plateia. Sem as elocubrações filosóficas de "2001: uma odisseia no espaço" (1968) e o virtuosismo narrativo de "Laranja mecânica", o filme de Kubrick aposta em uma narrativa linear como forma de contar sua história, uma saga pessoal que satiriza com elegância a aristocracia europeia dos anos 1700. Com uma reconstituição de época impecável e uma fascinante direção de fotografia - que inclui belas sequências filmadas a luz de velas -, "Barry Lyndon" provou que o celebrado cineasta jamais poderia ser chamado de repetitivo.


 

A trama de "Barry Lyndon" começa com a morte do pai do protagonista, que se torna órfão ainda criança e passa a ser o centro das atenções de sua mãe. Vivendo na Irlanda do século XVIII, o rapaz, chamado Redmond Barry (e interpretado por Ryan O'Neal), se apaixona por sua prima, Nora Brady (Gay Hamilton), e tal sentimento é o catalisador de uma série de eventos que irá transformar sua vida pelas próximas décadas. Fugindo de uma acusação de assassinato - forjada por seu rival pelo amor da ambiciosa prima -, Barry acaba se unindo ao exército britânico na Guerra dos Sete Anos. Indolente e pouco honesto, ele deserta mas se vê obrigado a fazer parte do exército prussiano. Depois de salvar a vida de seu capitão, torna-se seu protegido, mas sua lealdade não é exatamente sólida e não demora a associar-se a Chevalier de Balibari (Patrick Magee), um jogador irlandês de quem só se afasta quando resolve dar o golpe do baú na milionária Lady Lindon (Marisa Berenson) - de quem assume também o sobrenome. Seu casamento com a viúva, porém, é destinado à tragédia, graças à rivalidade de Barry com seu enteado.

Talvez a maior ousadia de Stanley Kubrck em "Barry Lyndon" tenha sido a escolha de seu ator central. Um dos dez atores mais populares do cinema em uma pesquisa realizada em 1973 (ano do começo da produção), Ryan O'Neal só perdia, na época, para Clint Eastwood - logicamente velho demais para o papel. Vindo do sucesso de filmes como "Love story: uma história de amor" (1970), "Essa pequena é uma parada" (1972) e "Lua de papel" (1973), O'Neal não era, apesar disso, a primeira opção do cineasta, que preferia Robert Redford, também parte da lista dos grandes astros do momento. Com a recusa de Redford - que logo em seguida voltaria ao topo com "Nosso amor de ontem" e "Golpe de mestre", ambos de 1973 - o futuro marido de Farrah Fawcett entrou no projeto como uma forma de somar prestígio ao sucesso comercial. Por um lado deu certo: mesmo com a direção do perfeccionista Kubrick, o ator que levou multidões aos cinemas com seu drama lacrimoso ao lado de Ali McGraw não teve a mesma sorte com a produção que poderia lhe dar o status de grande intérprete - mas obteve o respeito que tal empreitada oferece. Seu desempenho, porém, acabou eclipsado pela opulência da produção: dotado de um ritmo próprio, cuja lentidão é parte indissociável do tom imposto pelo roteiro e pela direção, "Barry Lyndon" encanta principalmente pela beleza plástica. Suas três horas e cinco minutos de duração - meros doze minutos a menos que "Spartacus" (1960) e com direito a intervalo - passam sem pressa diante dos olhos do espectador, que fascinado com a bela fotografia de John Alcott, o figurino de Milena Canonero e o desenho de produção de Ken Adam, se deixa envolver por uma trama iconoclasta, satírica e quase cínica. Com um protagonista que vive na sociedade do século XVIII com uma mentalidade moderna, "Barry Lyndon" é, a seu modo, também à frente de seu tempo. Pode não ter revolucionado o cinema, mas é mais um filme indispensável na carreira de um dos poucos diretores que podem ser realmente chamados de artista.

 

sexta-feira

O DOCE SABOR DE UM SORRISO

 


O DOCE SABOR DE UM SORRISO (Only when I laugh, 1981, Columbia Pictures, 120min) Direção: Glenn Jordan. Roteiro: Neil Simon, peça teatral "The gingerbread lady", de sua autoria. Fotografia: David M. Walsh. Montagem: John Wright. Música: David Shire. Figurino: Ann Roth. Direção de arte/cenários: Albert Brenner/Marvin March. Produção: Roger M. Rothstein, Neil Simon. Elenco: Marsha Mason, James Coco, Joan Hackett, Kristy McNichol, David Dukes, Peter Coffield. Estreia: 13/9/81 (Festival de Toronto)

3 indicações ao Oscar: Atriz (Marsha Mason), Ator Coadjuvante (James Coco), Atriz Coadjuvante Joan Hackett)
Vencedor do Golden Globe de Atriz Coadjuvante (Joan Hackett) 

Um dos mais populares dramaturgos norte-americanos dos anos 1960 e 1970, Neil Simon não apenas consagrou-se nos palcos da Broadway mas também teve uma bem-sucedida carreira em Hollywood, assinando grandes sucessos, que chegaram a lhe render indicações ao Oscar - pelos filmes "Um estranho casal" (1968), "Uma dupla desajustada" (1975), "A garota do adeus" (1977) e "California Suite" (1978). Vencedor de 3 Tony Awards e referência do teatro nos EUA, Simon enfrentou, em 1970, um revés artístico e comercial: sua peça "The gingerbread lady" teve uma decepcionante trajetória e parecia fadada a entrar para a história como um de seus poucos equívocos. Porém, na arte nem sempre um fracasso é definitivo, e onze anos depois, rebatizado de "Only when I laugh", seu texto ressurgiu em forma de roteiro e, posteriormente como um filme. Dirigido por Glenn Jordan e produzido pelo próprio Neil Simon, "O doce sabor de um sorriso" arrebatou três indicações ao Oscar (incluindo na categoria de melhor atriz, para Marsha Mason, então casada com o escritor) e reafirmou sua posição como um roteirista dos mais confiáveis e admiráveis de sua geração. Mesmo com sua história construída dentro de um universo todo particular - o mundo do teatro nova-iorquino, com suas idiossincrasias e dramas -, o filme estrelado por Mason acerta ao dotar sua protagonista de sentimentos universais e facilmente reconhecíveis dentro de qualquer família disfuncional.

A personagem central do filme é Georgia Hines (Marsha Mason), uma atriz de teatro que, depois de uma temporada de de três meses em uma clínica de reabilitação, volta ao convívio de seus amigos e de sua filha adolescente, Polly (Kristy McNichol). Polly, tentando reconectar-se com a mãe com quem tem uma relação delicada, resolve morar com ela em seu pequeno apartamento - e passa a testemunhar sua luta para evitar a recaída no álcool. Tentando retomar a carreira, Georgia aceita o desafio de protagonizar uma peça inédita de seu ex-namorado, David (David Dukes) - um texto que recria no palco sua problemática relação. Em seu dia-a-dia ela conta com o apoio de Toby Landau (Joan Hackett), cujo casamento está por um fio a despeito de seus cuidados com a aparência, e Jimmy Perrino (James Coco), um ator gay em busca de um lugar ao sol.

 


Típico produto de sua época - para o bem e para o mal -, "O doce sabor de um sorriso" não esconde suas origens teatrais, com um roteiro calcado basicamente em diálogos e cenas cuja construção vai crescendo gradualmente. É aí que se destaca a familiaridade de Mason em declamar o texto bem azeitado de Simon - em especial a ótima sequência em que, reunida com seus dois melhores amigos, ambos frustrados com suas vidas, sua Georgia cai na tentação de voltar a beber. Em momentos assim o filme cresce e disfarça a direção sem brilho de Glenn Jordan em seu primeiro filme. Substituindo Herbert Ross - que havia comandado com sucesso o ótimo "A garota do adeus" -, Jordan extrai de seus atores atuações inspiradas, mas falha em dotar o filme de um ritmo ágil que lhe faria muito bem. Uma edição mais enxuta, por exemplo, evitaria a duração excessiva (a trama frágil mal consegue sustentar as duas horas) e deixaria a história menos cansativa. Para sua sorte, porém, a química entre o elenco é das melhores possível. James Coco, inclusive, tem no currículo a dúbia glória de ter sido indicado ao Oscar e ao Framboesa de Ouro pelo mesmo desempenho: na pele do leal Jimmy Perrino, ele é dono de algumas das melhores falas do roteiro - mas perdeu o prêmio da Academia para John Gielgud (de "Arthur, o milionário sedutor") e o Framboesa para Steve Forrest (por "Mamãezinha querida"). E Joan Hackett, que brilha na pele da quase fútil Toby Landau, morreu aos 49 anos, em 1983, vítima de câncer no ovário, encerrando uma carreira promissora ainda incipiente. 

Leve e inteligente, mas pouco lembrado até mesmo pelos fãs de Neil Simon, que o coloca em segundo plano diante de uma série de sucessos, "O doce sabor de um sorriso" é uma produção simpática, dotada de alguns bons e específicos momentos. O resultado final é um tanto morno e carece da força dos melhores trabalhos do autor, além de deixar no ar uma sensação de frustração em relação ao destino de seus personagens. Porém, o carisma de Marsha Mason em um de seus melhores trabalhos e a leveza com que trata de temas pesados como o alcoolismo fazem dele uma bela opção para quem gosta do gênero e da Hollywood do começo da década de 1980 - um meio-termo entre a ousadia dos 70 e o conservadorismo que se avizinhava e tomaria conta dos anos seguintes.

quinta-feira

UM LUGAR NO CORAÇÃO

 


UM LUGAR NO CORAÇÃO (Places in the heart, 1984, TriStar Pictures, 111min) Direção e roteiro: Robert Benton. Fotografia: Néstor Almendros. Montagem: Carol Littleton. Música: John Kander. Figurino: Ann Roth. Direção de arte/cenários: Gene Callahan/Derek Hill, Lee Poll. Produção executiva: Michael Hausman. Produção: Arlene Donovan. Elenco: Sally Field, Danny Glover, John Malkovich, Ed Harris, Amy Madigan, Lindsay Crouse. Estreia: 04/10/84

07 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Robert Benton), Atriz (Sally Field), Ator Coadjuvante (John Malkovich), Atriz Coadjuvante (Lindsay Crouse), Roteiro Original, Figurino

Vencedor de 2 Oscar: Atriz (Sally Field), Roteiro Original

Vencedor do Golden Globe de Melhor Atriz/Drama (Sally Field)

Na cerimônia do Oscar que premiou os melhores filmes de 1984, uma situação atípica configurou-se na categoria de melhor atriz. Três das candidatas ao prêmio da Academia estavam na briga por papéis quase similares. Tanto Jessica Lange em "Minha terra, minha vida" quanto Sissy Spacek em "O rio do desespero" e Sally Field em "Um lugar no coração" chegaram às finais da disputa interpretando mulheres fortes e determinadas a defender sua propriedades rurais. Field levava vantagem - estava indicada por uma produção que também concorria a estatuetas de filme, direção e roteiro - e acabou saindo vitoriosa pela segunda vez na carreira, mas a a coincidência temática acusava mais do que simples falta de originalidade: no meio da década de 1980, uma espécie de ciclo de filmes situados nos anos pós-Depressão parecia servir como uma luva ao conservadorismo do governo Reagan, então em seu primeiro mandato como presidente. Ao voltar os olhos para o passado, os grandes estúdios de Hollywood recontavam uma parte da história que ninguém desejava repetir - e de quebra davam a cineastas e atores grandes oportunidades dramáticas e artísticas. Tudo bem que "Um lugar no coração" não levou o Oscar de melhor filme, mas sua premiação na categoria de roteiro original - contra três comédias - é sinal inequívoco de que até mesmo a Academia se deixou levar por tal sentimento de melancolia e superação.

Não que o filme de Robert Benton - voltando ao Oscar cinco anos depois do triunfo de seu "Kramer vs Kramer" (1979) - careça de qualidades que justificam seu sucesso junto à crítica. Com uma protagonista com ecos de Scarlett O'Hara e um tom triunfalista capaz de emocionar aos espectadores mais sensíveis, "Um lugar no coração" é um filme à moda antiga, com personagens complexos, uma trama simples mas eficiente e a felicidade de driblar o sentimentalismo e os clichês - quando estes aparecem servem como combustível para a história e não como uma muleta narrativa. Amparado por uma atuação caprichada de Sally Field - que também saiu vitoriosa no Golden Globe - e um elenco coadjuvante brilhante que inclui um jovem John Malkovich e Danny Glover em um de seus primeiros papéis importantes, a produção de Benton conquista desde as primeiras cenas, graças a um roteiro redondo que permite à plateia que se envolva com os dramas de seus personagens - mesmo contando uma história norte-americana em sua raiz mais profunda, é inegável que os sentimentos que inspiram são universais.

 

A protagonista de "Um lugar no coração" é Edna Spalding. Dona de casa, esposa e mãe dedicada de dois filhos pequenos, ela vive em uma pequena fazenda localizada em Waxahachie, Texas, no começo dos anos 1930. Sua vida pacata e sem sobressaltos - apesar do constante perigo que cerca seu marido xerife - sofre uma triste reviravolta quando um acidente a deixa inesperadamente viúva. Cheia de dívidas e sem experiência de trabalho braçal, Edna se recusa a capitular e vender sua propriedade - o que resultaria também em uma separação da família. Dotada de extrema força de vontade e garra, ela resolve então trabalhar exaustivamente para transformar suas terras em uma fazenda de algodão, contando, para isso, com a ajuda de Moses (Danny Glover) - um homem negro que aparece no local pedindo esmola - e Will Denby (John Malkovich), um rapaz cego que aluga um quarto em sua casa. Correndo contra o tempo e as dificuldades da economia frágil da época, a voluntariosa Edna ainda precisa escapar das ameaças da Klu Klux Klan, que não vê com bons olhos sua amizade com Moses.

Cuidadoso na reconstituição de época e no trabalho de direção de seus atores, Robert Benton faz um gol e tanto em "Um lugar no coração". Ao construir um roteiro que trata com carinho tanto seus protagonistas como seus coadjuvantes, o cineasta oferece ao espectador uma viagem ao passado, evocada diretamente de suas próprias lembranças. Nascido na mesma Waxahachie de seus protagonistas, Benton faz das recordações da sua infância a matéria-prima de sua história, ainda que ela seja completamente fictícia. O tom nostálgico que perpassa cada sequência - valorizado pela música de John Kander e a bela fotografia do veterano Néstor Almendros - é responsável direto pelo sucesso de sua narrativa, que foge dos exageros mesmo quando faz de sua personagem central uma mulher quase sem defeitos. Ao dotar Edna Spalding de um caráter firme e brios de guerreira, o diretor parece dizer que não lhe interessa mostrar o que ela tem de errado, e sim sublinhar sua força e dignidade. Saindo dos anos 1970, uma época em que anti-heróis dominavam a indústria, o cinema norte-americano dava sinais de que pretendia voltar a valores mais sólidos e menos cínicos. Dentro dessa premissa, "Um lugar no coração" é exemplar - e de quebra emociona sem fazer muito esforço.

quarta-feira

O SEGREDO


O SEGREDO (The chamber, 1996, Universal Pictures, 11min) Direção: James Foley. Roteiro: William Goldman, Phil Alden Robinson (Chris Reese), romance de John Grisham. Fotografia: Ian Baker. Montagem: Mark Warner. Música: Carter Burwell. Figurino: Tracy Tynan. Direção de arte/cenários: David Brisbin/Lisa Fischer. Produção executiva: David Friendly, Karen Kehela., Ric Kidney. Produção: John Davis, Brian Grazer, Ron Howard. Elenco: Chris O'Donnell, Gene Hackman, Faye Dunaway, Robert Prosky, Raymond J. Barry, Lela Rochon, Bo Jackson, David Marshall Grant. Estreia: 11/10/96

Entre 1993 e 1996, um dos nomes mais quentes em Hollywood não era um astro milionário, um cineasta prestigiado ou um produtor poderoso. Ao transformar em livros seu conhecimento como advogado e sua experiência em tribunais, John Grisham, passou, em poucos anos, de um escritor principiante a um dos autores mais requisitados pelos estúdios, sempre em busca de material para suprir a demanda de um público ávido por boas histórias. Com o apoio nada desprezível de atores como Tom Cruise, Julia Roberts, Denzel Washington e Susan Sarandon - e diretores respeitados como Sydney Pollack, Alan J. Pakula e, vá lá, Joel Schumacher - as adaptações das obras de Grisham se mostravam uma mina de ouro, se não inesgotável ao menos generosa. Assim, "A firma" (1993), "O Dossiê Pelicano" (1993), "O cliente" (1994) e "Tempo de matar" (1996) ultrapassaram a marca de 100 milhões de dólares de arrecadação e firmaram seu nome como um atestado de qualidade. Porém, como não poderia deixar de acontecer, nem todo sucesso dura para sempre - e qualquer falha no processo pode resultar em um inesperado fracasso. Foi o que aconteceu com "O segredo": com uma renda mundial que não chegou a cobrir metade de seu orçamento, estimado em 50 milhões, o filme dirigido por James Foley mostrou que nada - nem ninguém - é infalível.

Lançado poucos meses depois de "Tempo de matar", dirigido por Joel Schumacher e com um elenco que incluía Samuel L. Jackson, Kevin Spacey, Sandra Bullock e um Matthew McConaughey a caminho do estrelato, "O segredo" já estreou em desvantagem: apesar de ser um ator em franca ascensão à época -  no mínimo desde sua parceria com Al Pacino em "Perfume de mulher" (1992) -, Chris O'Donnell ainda não parecia capaz de segurar sozinho (ou quase) uma bilheteria sólida, em especial em comparação com a primeira escolha para o papel principal do filme, Brad Pitt. Mais jovem, com menos experiência e sem nenhum grande sucesso solo no currículo, O'Donnell acabou por se tornar o principal alvo das críticas - mesmo que não seja o responsável pelos problemas de bastidores que, logicamente, respingaram no resultado final, que não agradou nem mesmo ao próprio John Grisham. Desde a saída de Pitt - consequência da opção de Ron Howard em comandar "O preço de um resgate" (1996) -, o projeto de "O segredo" parecia fadado pelo menos a uma produção problemática. O roteirista William Goldman, por exemplo, viu parte de seu trabalho rejeitado por Howard (ainda produtor do filme) e pelo novo diretor, James Foley - e depois testemunhou seu substituto, Phil Alden Robinson, preferir assiná-lo com um pseudônimo por não concordar com a versão final. Além disso, a ideia de oferecer a direção a Foley - que lançou o suspense "Medo" no mesmo ano para a mesma Universal Pictures - não foi das mais felizes: se a trama já não é tão eletrizante quanto a de outros livros de Grisham, o trabalho de Foley pouco faz para acentuar suas qualidades ou amenizar seus defeitos. Quase no piloto automático, o cineasta falha em sua principal missão: conectar o espectador com seu protagonista.

 

Jovem e idealista como quase todos os personagens centrais de Grisham (talvez seus alter-egos), Adam Hall (Chris O'Donnell, esforçado mas nada mais do que isso), acaba de sair da faculdade de Direito e para seu primeiro caso importante escolhe um desafio dos maiores: evitar que um condenado à câmara de gás seja executado. Culpado pelo assassinato de duas crianças judias trinta anos antes, Sam Cayhall (Gene Hackman) assume a autoria do crime, não demonstra nenhum arrependimento e parece se orgulhar de suas ideias racistas - transmitidas a eles através de gerações. Mas Adam tem seus motivos para lutar pela suspensão da pena do irascível presidiário: Sam é seu avô, e apesar das consequências trágicas do crime, como o suicídio de seu pai, o jovem advogado quer, mais do que tudo, investigar as raízes de tanto ódio e tentar extirpá-las do próprio futuro. Para isso, conta com a ajuda hesitante de uma tia, Lee (Faye Dunaway), viciada em álcool e envergonhada do passado da família, ela esconde suas origens, mas vê na chegada do sobrinho uma oportunidade de curar feridas antigas e ainda doloridas.

Visto à luz do tempo, "O segredo" não é o horror que muitos fizeram pensar quando de sua estreia. Mesmo que não tenha o mesmo brilho de outros filmes baseados em obras de Grisham - em especial "O cliente", que deu a Susan Sarandon uma indicação ao Oscar, e "O homem que fazia chover", um dos poucos Francis Ford Coppola da década de 1990 -, o resultado final tem qualidades que foram ignoradas em seu lançamento. A atuação monstruosa de Gene Hackman é um exemplo: mesmo com um personagem quase maniqueísta, o veterano ator oferece ao público um trabalho precioso, repleto de uma energia que falta ao protagonista de Chris O'Donnell. E se Faye Dunaway - em papel oferecido a Sigourney Weaver - foi indicada ao Framboesa de Ouro, isso diz mais sobre a implicância de parte da crítica sobre seu desempenho do que exatamente por justiça: por mais que exagere em alguns momentos, a atriz, vencedora do Oscar por "Rede de intrigas" (1976), constrói uma personagem que reflete com perfeição as consequências do ódio e da intolerância. São os veteranos astros que dão a "O segredo", apesar de suas falhas, motivos para que lhe seja feita justiça: mesmo estando longe de ser um filme marcante, tampouco é a aberração que seu fracasso comercial poderia dar a entender.

 

VAMPIROS DO DESERTO

VAMPIROS DO DESERTO (The forsaken, 2001, Screen Gems/Sandstorm Films, 90min) Direção e roteiro: J. S. Cardone. Fotografia: Steven Bernstein...